A poesia concreta de Augusto de Campos
A arte da palavra foi marcada, pelo menos durante três séculos, pelo predomínio da escrita e pelo suporte do livro. A partir do início do século XX, no entanto, vanguardas como o futurismo e o dadaísmo, seguidas pela poesia concreta surgida nos anos 1950, romperam com essa tendência e passaram a explorar outras dimensões.
Para além dos aspectos verbais que lhe são intrínsecos, buscaram desenvolver os aspectos visuais do texto. Dessa maneira, retiraram a criação poética do âmbito intimista e privado do livro e a projetaram no espaço público.
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Competência: Analisar e interpretar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos de produção e recepção.
Habilidades: Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção. Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário.
Os poemas concretos são experiências de “design de linguagem”, conforme definiu Pignatari. Neles, os poetas concretos eliminam a sintaxe da linguagem e organizam o sentido do poema pela disposição e relação das palavras entre si no espaço da página. Esses poemas não foram pensados para a página do livro, mas para o cartaz: são poemas-cartazes para serem lidos no espaço público.
Essa poesia propôs ainda uma releitura da tradição poética brasileira e internacional, renovou os parâmetros técnicos dos estudos poéticos (com o auxílio dos estudos linguísticos e semióticos), recolocou em circulação poetas importantes que estavam esquecidos como Oswald de Andrade e Sousândrade e traduziu com grande qualidade (em vários casos, pela primeira vez) autores internacionais que passaram a enriquecer a reflexão cultural no Brasil.
Também foram autores importantes do movimento os poetas Ronaldo Azeredo, José Lino Grünewald, Ferreira Gullar e Pedro Xisto. A produção da poesia concreta brasileira ganhou repercussão internacional e estabeleceu ligações e influência nas artes visuais, no design e na música – inclusive, na música popular brasileira, com um diálogo intenso com os criadores do Tropicalismo.
As criações e as reflexões críticas promovidas pela poesia concreta, ainda hoje, aqui e no exterior, contribuem para novos desenvolvimentos da linguagem. Nas últimas décadas, temos visto um grande desenvolvimento da criação poética em novos suportes e formas de manifestação como o cartaz, o poema-objeto, a performance poética e o poema em animação gráfica digital sonorizada.

Hoje com 85 anos, Augusto de Campos mostrou-se o poeta mais comprometido com as aspirações das propostas iniciais do movimento concreto, o que dificultou a recepção de sua poesia após o declínio deste em meados dos anos 60. Sua obra demorou a ser publicada comercialmente e recebeu crítica polêmica. Entretanto, esta situação começou a mudar nos últimos anos, principalmente após sua conquista, no ano passado, do Prêmio Ibero-americano de Poesia Pablo Neruda.
Sua obra está reunida, sobretudo, nos livros Viva Vaia (1979), Despoesia (1994), Não (2003) e Outro (2015). Outros trabalhos importantes como Poemóbiles (1974) e Caixa Preta (1975) não puderam ser integralmente incorporados aos livros por se tratarem de poemas-objeto, pouco adaptáveis ao formato impresso. Essa é uma característica marcante em sua obra: a constante pesquisa poética com diferentes suportes e técnicas, ultrapassando fronteiras e explorando novos territórios híbridos de linguagem.
Nas últimas décadas, seus poemas têm surpreendido os leitores com os recursos das novas mídias: painéis eletrônicos, holografias, projeções em laser e animações digitais.
Na recepção de sua obra, alguns críticos chamam a atenção para questões que são comuns a outros poetas praticantes da poesia experimental, tais como a crise da linguagem e a busca do diálogo entre diferentes códigos de linguagem (o verbal e o visual, por exemplo).
Nos últimos anos, após o impacto da publicação dos seus livros mais recentes – Não e Outro, alguns críticos têm buscado distinguir questões próprias da poesia de Augusto: sua atenção aos valores contingentes da materialidade dos signos, a introdução da espacialidade e do movimento na linguagem, sua tendência para a montagem sintética, a tensão em sua obra entre os vetores da poética imanente e da poética da angústia e a relação entre linguagem e morte.
Entretanto, a atuação contínua de Augusto por mais de seis décadas, laboriosa e inquieta, reagindo criativamente às transformações do contexto sócio-cultural e tecnológico, com os impasses e os conflitos que possa conter, afigura-se como um caleidoscópio de signos que apenas começamos a descobrir. Augusto de Campos é, hoje, um dos maiores poetas em atividade no mundo.
*Julio Mendonça é poeta, doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC – São Paulo, especialista em Gestão Pública (UFABC) e coordenador do Centro de Referência Haroldo de Campos da Casa das Rosas.
Fonte: Site CartaCapital